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Benefícios e perigos do Dr. Google na procura por um diagnóstico de doença

Às vezes eu me pergunto: como é que os hipocondríacos do passado viviam sem o Google? Como é que faziam para descobrir se aquela dorzinha nas costas não seria, por acaso, alguma doença degenerativa grave?

O fato é que o Google se transformou na maior clínica médica do mundo e, também, no paraíso (ou inferno) dos hipocondríacos. Ali, descobrimos que qualquer sintoma, por menor que ele seja, pode ser um indício de alguma doença catastrófica. Não importa por quais sintomas começamos a pesquisar: desde o cansaço em uma perna até a dor na ponta de um dedo da mão, há uma enorme chance da pesquisa no Google terminar no câncer, no ataque cardíaco ou no AVC.

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Aí, os resultados da pesquisa acabam gerando outros problemas que, dessa vez, são bem reais: preocupação excessiva, ansiedade, desespero, ida desnecessária ao pronto socorro, automedicação. Por fim, pode gerar o problema mais perigoso: a autoprescrição, que é responsável por mais internações e mortes que muitas doenças por aí.

Como a autoprescrição é um risco antigo, volta e meia a mídia traz essa pauta em discussão. O que eu não costumo encontrar muito na imprensa é um outro problema: a do paciente que não costuma se automedicar, mas que pesquisa muito na internet sobre possíveis doenças e já chega no consultório médico com um diagnóstico pronto e completo.

O problema do autodiagnóstico
Lembro que um tempo atrás, em uma roda de amigos, a pauta do Dr. Google emergiu na conversa. Após alguém ter feito a já clássica piada de que "o Google é meu médico preferido", uma das pessoas na roda, que era médica, explicou qual é o maior risco da prática de se chegar no consultório médico com sugestões de diagnósticos. Achei a explicação bastante didática e vou tentar descreve-la aqui.

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O médico é, na essência, um detetive. Ele realiza um processo de investigação que envolve pistas, provas e depoimentos de uma principal testemunha (o próprio paciente). Como todo processo de investigação, o médico precisa fazer relações lógicas entre esses elementos. Nessas relações, ele pondera sobre muitas variáveis relacionadas aos sintomas, como frequências, durações, quantidades, sequências e intensidades.


Foto: Pixabay

Quando a principal testemunha resolve dar seu palpite final no meio do processo de investigação, ela acaba por atrapalhar esse processo investigativo. E o pior: dependendo da capacidade de comunicação da testemunha, pode acontecer do detetive não perceber que tal distorção acabou de acontecer.

Como o paciente já deve ter pesquisado na internet e chegado ao pior dos diagnósticos possíveis, é claro que a sua emoção vai influenciar em sua fala: mesmo que inconscientemente, ele vai exagerar em alguns sintomas e vai minimizar outros que poderiam ser fundamentais para as conclusões do detetive.

Em outras palavras, podemos dizer que o diagnóstico precoce feito pelo paciente pode tornar o processo de investigação ineficaz. Apontar as possíveis doenças (pesquisadas no Google) no momento da consulta é ruim para o médico, o que significa que é ainda pior para o paciente.

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Afinal, é errado pesquisar por sintomas? 
Eu, particularmente, continuo pesquisando a fundo sobre quaisquer sintomas que me tragam preocupação. E sugiro que todos façam o mesmo. Nessas pesquisas, descobrimos como nosso próprio corpo funciona, quais patologias podem nos infligir, como agir de forma preventiva a determinados problemas de saúde. Dependendo da forma como fazemos a pesquisa, ela pode ser uma aula sobre nosso próprio organismo. Além disso, a própria Organização Mundial da Saúde indica que, se for feita de maneira responsável, uma certa dose de automedicação pode ser benéfica para o sistema público de saúde, já que evitaria superlotação desnecessária em unidades de saúde (logicamente que apenas em casos simples e conhecidos pela pessoa, como dores de cabeça e cólicas menstruais).

O problema é quando acreditamos que o diagnóstico mais catastrófico do Dr. Google está certo, mesmo que ele não tenha examinado as particularidades do meu caso clínico. Acredito que esse mecanismo seja parecido com o das pessoas que espalham notícias falsas nas redes sociais: elas confiam tanto no que leem na internet que qualquer informação publicada, para elas, só pode ser verdade. É uma mistura de inocência com credulidade que, infelizmente, traz tanto mal para as sociedades e democracias.

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Desde 2016, sempre que é realizada uma pesquisa sobre sintomas e doenças no Google, o site passou a apresentar uma caixa com informações médicas de alta qualidade, produzidas em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Faça um teste: pesquise por "pressão alta" no Google e observe a caixa com uma figura que aparece no lado direito. Quando essa seção do Google lista possíveis doenças relacionadas, aquelas mais impactantes ficam sempre pro final, indicando que elas não devem ser as principais possibilidades. Isso ajuda a não provocar ansiedade e medo à toa.

Por outro lado, essa iniciativa também indica que o problema da internet não é só a informação de baixa qualidade: as informações de boa qualidade também podem ser um problema quando são consumidas sem um contexto apropriado ou sem a orientação personalizada de um especialista da área. 

Como acabar com o hábito do autodiagnostico e da autoprescrição? 
Assim como já citei em outros textos nessa coluna, mais uma vez, a solução desse problema passa pelos usuários. Quando você for pesquisar por sintomas, lembre-se que a internet é recheada de informações de baixa qualidade, muitas delas simplesmente falsas. Quando as informações sobre saúde são de boa qualidade, elas geralmente são múltiplas, diversas, aplicáveis a contextos específicos, por isso necessitam de uma interpretação profissional.


Foto: Pixabay

Outra sugestão, que estou tentando seguir, é a de evitar informar ao médico quais são seus palpites sobre o diagnóstico. Eu sei que é muito difícil não informar ao médico que, segundo o Dr. Google, talvez você esteja sofrendo de determinada doença grave, mas se esforce para lembrar que o processo investigativo do médico precisa ser desenvolvido da forma correta e que, se não for assim, o principal prejudicado será você mesmo.

Já em relação aos profissionais da saúde, a minha sugestão seria refletir o porquê de as pessoas investirem tanta confiança nos sites de busca. Seria a falta de horários para atendimento? Seria o alto valor das consultas? Seria a falta de atenção do profissional? Seria a falta de paciência do médico em explicar detalhadamente e didaticamente o diagnóstico, como já fazem alguns sites e vídeos da internet?

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Eu, particularmente, já passei por todas essas experiências desagradáveis e confesso que elas pesaram bastante na hora de buscar ajuda médica profissional. Por causa de algumas dessas situações, já corri o risco de me autodiagnosticar e me automedicar.

Entretanto, concluo o texto relatando um episódio de esperança: na minha última consulta médica, em que fui para tratar de uma rinite alérgica, tive a oportunidade de ter sido atendido por um otorrinolaringologista fantástico, que agiu como um professor educado e paciente, explicando cada detalhe do funcionamento do organismo, da patologia e do tratamento. Mesmo eu tendo pesquisado por horas e horas na internet antes de ir à consulta, nunca assisti a uma explicação tão bem-feita como a do referido médico. Nenhum site ou vídeo de Youtube conseguiu fazer o processo de investigação de sintomas e circunstâncias pessoais como ele conseguiu. Nenhum site ou vídeo foi tão acessível, didático e paciente na explicação como ele foi, apontando para os resultados do exame e explicando cuidadosamente casa etapa dos processos alérgico e inflamatório. A partir dessa experiência muito positiva, digo com tranquilidade: posso até continuar pesquisando por sintomas no Google, mas nunca mais faço autodiagnostico e nem autoprescrição, pois confirmei que existem, sim, médicos bem melhores que o Dr. Google. Só espero que os próximos médicos sejam assim: mais cuidadosos, didáticos e atenciosos que um site de busca

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